Numa certa noite de dezembro, um belo reencontro iria acontecer. Um filho que há tempos não via seu velho pai marcara de se encontrar em um banco de uma praça. O mesmo que estavam acostumados anos antes, em sua infância.
Ambos só haviam se comunicados por cartas, pois naquela época era a forma mais comum de conversar a longas distâncias. Como o velho pai ainda morava na mesma casa, o filho não teve dificuldades quando ousou um contato.
Agora, ambos se encontram nesta estranha noite. Eles se avistam e caminham em direção ao banco. Ao se aproximar, um forte abraço reconecta esse laço tão vivo e forte como antes era.
O pai, sábio em questão, percebera o semblante de seu filho. Não parecia tão feliz ao vê-lo. Estava cabisbaixo, magro e com olheiras gigantes.
- O que foi? Não está feliz de reencontrar seu velho pai?
- Não é isso, você não entenderia - respondeu o filho aflito. - Estou feliz, estou sim. Mas...
- O que? Me diga, vamos.
- Há dias que não durmo, não consigo mais. Parece que meu mundo vai acabar. Eu não consigo parar em lugar algum, não sei mais o que fazer... - disse o filho angustiado. - São os meus erros, eles me perseguem. As coisas andam tão estranhas ultimamente, não sei se o senhor me entenderia.
- Vocês jovens tem essa mania. Vivem correndo sem pensar no dia de amanhã. Nem acreditam mais no dia de amanhã e ainda nos culpam de toda desgraça que anda acontecendo ao redor do mundo. Não existe o fim do mundo, sempre foi o fim do mundo.
- Mas você há de concordar, meu pai, que nuvens negras pairam pelo céu e que recentemente há de morar em nossas cabeças.
- Elas sempre moraram meu filho, sempre moraram... - Ele suspira enquanto olha para um céu meio nublado e meio estrelado. Percebe que a Lua se esconde por de trás das cinzas nuvens no céu. - Você está vivendo isso agora, mas confie em seu velho pai. Sei que parece difícil, porém tudo isso vai passar um dia. A vida realmente não é nada fácil. Você deve aprender a lidar com essas coisas. Traga um guarda-chuva toda vez que sentir que irá chover.
O filho sorri, concordando com o que seu pai havia dito. Os dois se entreolham por um instante. Até que a Lua resolve se desesconder. "Olha quem resolveu aparecer" pensou o filho.
Os dois ficaram ali sentados fitando aquela grande bola branca, pensavam em tudo sem dizer nada. Deixando que o silêncio os corrompessem tornando-os uníssonos com o presente instante.
Sabem caros leitores, não foi uma vida fácil para o pai. Este que tentou dar de tudo para seu filho, que batalhou e sangrou por ele, até que chegou o momento em que teve que deixá-lo ir. "Eles sempre voltam, os filhos sempre retornam para o colo de seus pais." Pensava o velho. E anos se passaram até que pudessem chegar neste momento, neste reencontro. "Não é a mesma coisa que as cartas, mas existe um penar em meu coração ao saber de tudo o que meu filho passou. E existe uma alegria ao saber que ele está vivendo, tomando seu próprio rumo, enfrentando suas próprias batalhas." Refletiu enquanto sorria com o canto da boca.
E agora que o filho reencontra seu pai, pede o perdão de seu sumiço. Mais do que isso, ele pede ajuda. Pois agora, o mesmo passa por problemas. Grandes problemas. Sua cabeça gira em perguntas mas não encontra nenhuma resposta. Ele anda confuso e a única alternativa foi buscar por aquele quem mais confia. O filho acabara de sofrer uma triste história de amor, onde muitos, inclusive seu pai, já vivenciaram. Ele havia se entregado de corpo e alma, mas quando tudo acabou, seu mundo desabou junto.
- Eu ainda não acredito no que aconteceu comigo. - disse o filho cortando o silêncio que ambos haviam criado. - Eu era uma pessoa que acreditava no amor, era sim. Sabe quando você encontra alguém e acredita plenamente que é ela a pessoa? Eu pensava que iríamos casar, ficar velhinhos juntos, toda essa baboseira romântica. Mas e agora? Não resta nada. Sonhos antigos jogados ao vento. Me sinto enganado, desolado. Pai, não sei mais o que fazer! Fiquei entregue nesse sentimento, da mesma forma que entreguei meu amor a ela. Estou imerso em algo frio e escuro. Não consigo mais dormir porque as paredes me engolem. Não sei como prosseguir...
O velho olha atônito para seu filho que chorava incondicionalmente. Não consegue conceber todas as palavras que acabara de escutar. Um sentimento profundo o assombrara, lembranças de uma outra vida que nem lembrava que existia. A verdade é que seu pai compadecia de suas dores, mas não gostaria que seu amado filho caísse na tentação e provasse dos mesmos erros que cometera quando era jovem e estúpido. Então, tomado por uma fúria que nem ele mesmo sabera de onde vinha, interrompe as queixas de seu filho.
- Você pare já com isso! Não é porque você se sente perdido que deve desistir de tudo! Você me ouviu!? - disse apreensivo e apontando dedos. - Não há razão para parar de tentar, eu estou aqui pra te ajudar a prosseguir. A vida é sim uma jornada muito árdua e você deve aprender com os erros. Mas não há motivos para desistir do amor.
- Eu só não quero deixá-la partir.
- Mas deixá-la partir você deve!
- Mas dói em vê-la ir.
- E aposto que também doeria se ainda estivesse com ela. Sabe meu filho, certas coisas acontecem pra te ensinar.
- Ensinar!? - disse enraivecido. - Eu não entraria nessa se soubesse que terminaria assim.
- Mas ninguém sabe onde as coisas vão parar. E além do mais, tudo isso passa. Sua vida não vai parar, você ainda vai ver.
- Eu só quero parar de pensar nela.
- Não é tão simples assim, fingir que ela nunca existiu não vai tirar toda essa dor dentro de você. Se você ainda pensa nela, significa que ela ainda é importante pra você, afinal, vocês dividiram uma vida juntos. Vai dizer que não ama.
- Não, você tem razão. Eu ainda a amo... Te-tenho saudades dela.- disse gaguejando.
- Então, toda vez que pensar nela seja grato por tudo, trate ela com carinho e não com ódio. Sempre que lembrá-la deseje seu bem e assim você será capaz de seguir e ser feliz. Deixe-a ir meu filho. Tome o seu tempo, mas deixe-a ir. Quem nos ama de verdade, sempre retorna. Afinal, cá estamos, não é mesmo?
- É mesmo. - concordou o filho. Os dois sorriram um para o outro. O filho limpou suas lágrimas e retornou a olhar para a Lua. Tomou um pouco de ar e agora tentava respirar mais devagar. Seu pai agora admirava a Lua junto a ele.
- Sabe meu filho... - uma breve pausa pra dizer - A maior humildade que você deve ter na sua vida é de perceber suas fraquezas. Não somos invencíveis. Até o mais forte uma hora cai. É preciso abaixar a cabeça e aceitar que perdeu. Só que muitos se deixam abalar por isso. A derrota não é o fim, mas o começo. Um poeta uma vez disse:
"Foi na presença da morte que aprendi a me reerguer.
Foi me perdoando que aprendi a prosseguir.
Foi na escuridão que aprendi o valor da luz,
Pois não existe cima sem baixo,
Não existe amor sem dor."
- Então o que isso quer dizer? - disse o filho reflexivo.
- Que o perdão é a chave de tudo. Certas coisas são inevitáveis de se escapar e se você aprende a contorná-las a felicidade aparece. Perdoa a ti mesmo e verás um novo mundo ao seu redor. Deixe-a ir meu filho, eu sei que dói, mas tente se perdoar.
- Eu vou tentar... Farei tudo o que me disse e seguirei todos os conselhos que ela uma vez sussurra em meus ouvidos. Eu sei que de certa forma ela queria o meu bem, mas não farei isso por ela, farei por mim! Pois eu sei que mereço algo além dessa escuridão.
- Todos merecemos, meu filho. Todos merecemos.
As nuvens que antes pairavam, agora se esvaem. E ambos admiram a Lua flutuar no céu.