quarta-feira, 24 de julho de 2024

De Pai para Filho

 


Numa certa noite de dezembro, um belo reencontro iria acontecer. Um filho que há tempos não via seu velho pai marcara de se encontrar em um banco de uma praça. O mesmo que estavam acostumados anos antes, em sua infância.

Ambos só haviam se comunicados por cartas, pois naquela época era a forma mais comum de conversar a longas distâncias. Como o velho pai ainda morava na mesma casa, o filho não teve dificuldades quando ousou um contato.

Agora, ambos se encontram nesta estranha noite. Eles se avistam e caminham em direção ao banco. Ao se aproximar, um forte abraço reconecta esse laço tão vivo e forte como antes era.

O pai, sábio em questão, percebera o semblante de seu filho. Não parecia tão feliz ao vê-lo. Estava cabisbaixo, magro e com olheiras gigantes.

- O que foi? Não está feliz de reencontrar seu velho pai?

- Não é isso, você não entenderia - respondeu o filho aflito. - Estou feliz, estou sim. Mas...

- O que? Me diga, vamos.

- Há dias que não durmo, não consigo mais. Parece que meu mundo vai acabar. Eu não consigo parar em lugar algum, não sei mais o que fazer... - disse o filho angustiado. - São os meus erros, eles me perseguem. As coisas andam tão estranhas ultimamente, não sei se o senhor me entenderia. 

- Vocês jovens tem essa mania. Vivem correndo sem pensar no dia de amanhã. Nem acreditam mais no dia de amanhã e ainda nos culpam de toda desgraça que anda acontecendo ao redor do mundo. Não existe o fim do mundo, sempre foi o fim do mundo.

- Mas você há de concordar, meu pai, que nuvens negras pairam pelo céu e que recentemente há de morar em nossas cabeças.

- Elas sempre moraram meu filho, sempre moraram... - Ele suspira enquanto olha para um céu meio nublado e meio estrelado. Percebe que a Lua se esconde por de trás das cinzas nuvens no céu. - Você está vivendo isso agora, mas confie em seu velho pai. Sei que parece difícil, porém tudo isso vai passar um dia. A vida realmente não é nada fácil. Você deve aprender a lidar com essas coisas. Traga um guarda-chuva toda vez que sentir que irá chover. 

O filho sorri, concordando com o que seu pai havia dito. Os dois se entreolham por um instante. Até que a Lua resolve se desesconder. "Olha quem resolveu aparecer" pensou o filho. 

Os dois ficaram ali sentados fitando aquela grande bola branca, pensavam em tudo sem dizer nada. Deixando que o silêncio os corrompessem tornando-os uníssonos com o presente instante. 

Sabem caros leitores, não foi uma vida fácil para o pai. Este que tentou dar de tudo para seu filho, que batalhou e sangrou por ele, até que chegou o momento em que teve que deixá-lo ir. "Eles sempre voltam, os filhos sempre retornam para o colo de seus pais." Pensava o velho. E anos se passaram até que pudessem chegar neste momento, neste reencontro. "Não é a mesma coisa que as cartas, mas existe um penar em meu coração ao saber de tudo o que meu filho passou. E existe uma alegria ao saber que ele está vivendo, tomando seu próprio rumo, enfrentando suas próprias batalhas." Refletiu enquanto sorria com o canto da boca.

E agora que o filho reencontra seu pai, pede o perdão de seu sumiço. Mais do que isso, ele pede ajuda. Pois agora, o mesmo passa por problemas. Grandes problemas. Sua cabeça gira em perguntas mas não encontra nenhuma resposta. Ele anda confuso e a única alternativa foi buscar por aquele quem mais confia. O filho acabara de sofrer uma triste história de amor, onde muitos, inclusive seu pai, já vivenciaram. Ele havia se entregado de corpo e alma, mas quando tudo acabou, seu mundo desabou junto.

- Eu ainda não acredito no que aconteceu comigo. - disse o filho cortando o silêncio que ambos haviam criado. - Eu era uma pessoa que acreditava no amor, era sim. Sabe quando você encontra alguém e acredita plenamente que é ela a pessoa? Eu pensava que iríamos casar, ficar velhinhos juntos, toda essa baboseira romântica. Mas e agora? Não resta nada. Sonhos antigos jogados ao vento. Me sinto enganado, desolado. Pai, não sei mais o que fazer! Fiquei entregue nesse sentimento, da mesma forma que entreguei meu amor a ela. Estou imerso em algo frio e escuro. Não consigo mais dormir porque as paredes me engolem. Não sei como prosseguir...

O velho olha atônito para seu filho que chorava incondicionalmente. Não consegue conceber todas as palavras que acabara de escutar. Um sentimento profundo o assombrara, lembranças de uma outra vida que nem lembrava que existia. A verdade é que seu pai compadecia de suas dores, mas não gostaria que seu amado filho caísse na tentação e provasse dos mesmos erros que cometera quando era jovem e estúpido. Então, tomado por uma fúria que nem ele mesmo sabera de onde vinha, interrompe as queixas de seu filho.

- Você pare já com isso! Não é porque você se sente perdido que deve desistir de tudo! Você me ouviu!? - disse apreensivo e apontando dedos. - Não há razão para parar de tentar, eu estou aqui pra te ajudar a prosseguir. A vida é sim uma jornada muito árdua e você deve aprender com os erros. Mas não há motivos para desistir do amor. 

- Eu só não quero deixá-la partir.

- Mas deixá-la partir você deve!

- Mas dói em vê-la ir.

- E aposto que também doeria se ainda estivesse com ela. Sabe meu filho, certas coisas acontecem pra te ensinar. 

- Ensinar!? - disse enraivecido. - Eu não entraria nessa se soubesse que terminaria assim.

- Mas ninguém sabe onde as coisas vão parar. E além do mais, tudo isso passa. Sua vida não vai parar, você ainda vai ver.

- Eu só quero parar de pensar nela.

- Não é tão simples assim, fingir que ela nunca existiu não vai tirar toda essa dor dentro de você. Se você ainda pensa nela, significa que ela ainda é importante pra você, afinal, vocês dividiram uma vida juntos. Vai dizer que não ama.

- Não, você tem razão. Eu ainda a amo... Te-tenho saudades dela.- disse gaguejando.

- Então, toda vez que pensar nela seja grato por tudo, trate ela com carinho e não com ódio. Sempre que lembrá-la deseje seu bem e assim você será capaz de seguir e ser feliz. Deixe-a ir meu filho. Tome o seu tempo, mas deixe-a ir. Quem nos ama de verdade, sempre retorna. Afinal, cá estamos, não é mesmo?

- É mesmo. - concordou o filho. Os dois sorriram um para o outro. O filho limpou suas lágrimas e retornou a olhar para a Lua. Tomou um pouco de ar e agora tentava respirar mais devagar. Seu pai agora admirava a Lua junto a ele. 

- Sabe meu filho... - uma breve pausa pra dizer - A maior humildade que você deve ter na sua vida é de perceber suas fraquezas. Não somos invencíveis. Até o mais forte uma hora cai. É preciso abaixar a cabeça e aceitar que perdeu. Só que muitos se deixam abalar por isso. A derrota não é o fim, mas o começo. Um poeta uma vez disse:

"Foi na presença da morte que aprendi a me reerguer.

Foi me perdoando que aprendi a prosseguir.

Foi na escuridão que aprendi o valor da luz,

Pois não existe cima sem baixo,

Não existe amor sem dor."

- Então o que isso quer dizer? - disse o filho reflexivo.

- Que o perdão é a chave de tudo. Certas coisas são inevitáveis de se escapar e se você aprende a contorná-las a felicidade aparece. Perdoa a ti mesmo e verás um novo mundo ao seu redor. Deixe-a ir meu filho, eu sei que dói, mas tente se perdoar.

- Eu vou tentar... Farei tudo o que me disse e seguirei todos os conselhos que ela uma vez sussurra em meus ouvidos. Eu sei que de certa forma ela queria o meu bem, mas não farei isso por ela, farei por mim! Pois eu sei que mereço algo além dessa escuridão.

- Todos merecemos, meu filho. Todos merecemos.

As nuvens que antes pairavam, agora se esvaem. E ambos admiram a Lua flutuar no céu.